História da Paróquia de Recarei

Algumas referências documentais apontam para a existência de um local de culto religioso em Recarei pelo menos desde o século XIII. No manuscrito “Memórias do Mosteiro de Paço de Sousa”, o topónimo “Recarey” é descrito como curato da freguesia da Sobreira em 1229 e tendo uma capela dedicada a “Sancti Salvatoris” (São Salvador). Desde já, e a título de anotação, importa referir que talvez não seja alheia à escolha deste patrono o facto de a localidade da Sobreira ser, naquela época, da apresentação do Mosteiro de Paço de Sousa, paróquia cujo padroeiro ainda é hoje, precisamente, Nosso Senhor Jesus Cristo o Divino Salvador.

Reportando-nos a indicações dadas por artigos do investigador Manuel Ferreira Coelho no jornal “O Progresso de Paredes”, tanto no livro atrás mencionado como nas “Inquisitiones” (1258) em “Corpus Codicum Latinorum” (1338), em “rol. A” (1320) ou em “BAV” (1371) é aludida apenas a simples existência de um local de culto pertencente, como já se disse, a Sobreira e ao dito mosteiro, não nos tendo sido possível recolher mais nenhum tipo de informação relativamente à capela durante estas eras mais remotas.

A invocação a Nosso Senhor Jesus Cristo “o Salvador” como titular ou padroeiro da ermida medieval edificada no “lugar da Costa de Recarei”, não chegaria ao séc. XIX, pois já em 1758 se dava conta da invocação da “Senhora do Bom Despacho, Santa Águeda e Santa Apolónia” apesar de, em data posterior, o livro dos “Títulos do Arcediagado de Aguiar de Souza anexo ao Deado do Porto” (1796) nos relatar ainda que a “Cappella S. Salvatoris de Requerey” estava anexa à “Ecclesia S. Petri de Sovereira” e pagava ao bispado “De cera unam libram, de mortuariy 3 maravetinos, de milio 3 sextarios”.

Da centúria de setecentos surge-nos ainda outra indicação. Cravada na parede e preservada junto à sacristia, encontra-se uma padieira com a data “1744”, provavelmente assinalando um período de restauro ou reedificação.

E deste centro de culto só voltamos a ter notícias datadas de 1827 passada que foi, pela Chancelaria de D. Pedro IV, uma provisão à “Confraria de Nossa Sra. do Bom Despacho, Sta. Águeda e Sta. Apolónia”, autorizando o peditório para obras de recuperação.

Após a independência administrativa (27 de Novembro de 1855) e religiosa (1 de Fevereiro de 1856) e com a chegada do primeiro pároco, Pe. Jerónimo Martins de Oliveira Macedo, procedeu-se à transformação da capela em igreja e construção da torre sineira em 1867.

Dito de forma simplificada, se vista de cima, a estrutura assumia o formato de uma cruz. O altar-mor e a presidência na cabeceira, um altar ou pequena capela em cada braço e a assembleia disposta ao longo do tronco. O baptistério situava-se à entrada do lado esquerdo e a porta de ferro, que ainda hoje se mantém mais ou menos no mesmo local, foi mandada executar em 1905 por ordem da Junta de Paróquia. O altar-mor, ao fundo, impunha-se pelo tabernáculo em talha dourada, sobreposto pelo trono onde, no topo, era feita a exposição do Santíssimo. Ladeavam-na seis castiçais e as imagens de Nossa Senhora do Bom Despacho, S. Clemente, Nossa Sra. do Rosário e Nossa Senhora de Lurdes. O pano de fundo do retábulo principal, que tapava o trono em dias comuns e recolhia nos momentos de oração e adoração do Santíssimo, era a belíssima tela datada de 1882, da autoria de Eduardo da Fonseca Vasconcelos (dimensões: 252,5 cm x 176,5 cm). Nela figura a imagem da padroeira, Nossa Senhora do Bom Despacho, segurando o menino e ladeada por anjos. Foi recentemente alvo de restauro e recolocada na parede lateral da igreja, depois de ter estado várias décadas por cima da porta de acesso à sacristia.

A embelezar o tecto em madeira da capela principal havia a pintura de um cálice, sobrepondo-lhe uma hóstia com o monograma “JHS” (Jesus Hominum Salvator) e, simbolizando o Espírito Santo, uma pomba, flanqueada por anjos. No “braço” direito da nave estava o altar do Sagrado Coração de Maria com a sua imagem, ladeada pelas de Sta. Águeda e Sta. Apolónia. Aqui se procedia à meditação do terço durante o mês de Maio, à consagração à Virgem pelas noivas no dia do casamento e pelas crianças na comunhão solene. Em torno dos expositores havia umas decorativas fileiras de pequenas luzes que se acendiam única e exclusivamente nos dias festivos. Em 1935 e dando cumprimento a uma promessa, foi oferecido, por Bernardina Moreira, o “Cristo Morto”, figura de Jesus Cristo deitado num caixão de madeira decorado com talha dourada, que esteve exposto durante muitos anos na base do altar do Senhor dos Aflitos, onde também estavam as imagens de Cristo Crucificado, Nossa Sra. das Dores, S. João Baptista e S. Sebastião. Do lado direito, embutido na parede, estava o altar de S. José que tinha, no ano de 1910, para além da sua imagem, as de S. Simão e de Nossa Sra. do Carmo. Defronte deste e à direita do nicho de madeira de S. Judas Tadeu estava o retábulo do Sagrado Coração de Jesus, ladeado pelas figuras de Sta. Águeda e Sta. Apolónia de menores dimensões. Referência ainda para a imagem de Nossa Sra. de Fátima resguardada num nicho de madeira e vidro, fixada na parede à esquerda do púlpito. Sob a administração paroquial do Pe. António Dias Machado foi mais tarde aumentada a escadaria principal de acesso, forrado e consertado o soalho do coro e adquiridos dois sinos para a torre.

A disposição dos paroquianos na assembleia estava “por tradição” dividida por sexo e por “classes”. Ou seja, nos bancos da frente e separados por um pequeno gradeamento em ferro, sentavam-se apenas os cavalheiros. Atrás deles uns bancos em madeira cobertos por almofadas estavam destinados “às senhoras fidalgas” e os restantes assentos, na parte mais afastada do altar, eram ocupados pelas demais senhoras e crianças.

Em meados da década de 70 do séc. XX, já sob a administração pastoral do Pe. Bernardino Moreira Lopes, a igreja paroquial de Recarei foi completamente renovada. O projecto de remodelação e ampliação, da autoria do arquitecto João Rodrigues dos Santos, veio romper com toda a estrutura interior e com todo o conteúdo secular da antiga nave.

De acordo com a “Memória Descritiva e Justificativa” do referido projecto, a intervenção visava “satisfazer (além da necessidade de mais espaço para uma população crescente) também uma procura de comodidade física e espiritual, através dum melhor aproveitamento do espaço ocupado e duma funcional articulação das diversas dependências e lugares sacramentais”. Para além disso, urgia ainda adequar o templo à “linha” seguida na época, procurando-se respeitar a “participação dos fiéis, a centralização do altar de celebração, a não adoração indiscriminada e excessiva de santos, etc.” Soubemos todavia que o próprio pároco levantou a possibilidade de se manter a velha igreja e construir uma nova, desta feita no lugar de Ordais. Todavia, a decisão tomada foi mesmo a de avançar com a remodelação e, assim, durante o mês de Setembro de 1973, arrancaria a obra orçada em 1.335.000$00 (um milhão trezentos e trinta e cinco mil escudos) tendo em vista a configuração e aparência arquitectónica que conhecemos nos dias de hoje.

No dia 8 de Agosto de 1976, três anos após o início das obras, a igreja fora “benzida e inaugurada” por D. António Ferreira Gomes, então bispo do Porto. Só mais tarde e pela mão do pároco Pe. Pedro Sérgio Gomes da Silva é que seriam levadas a cabo novas modificações no interior, revestindo-se de granito o chão do altar e tendo sido minuciosamente restaurada a talha que restou da antiga nave.

Párocos de Recarei

Pe. Jerónimo Martins de Oliveira Macedo – 1858-1903

Pe. António Dias Machado – 1903-1928

Pe. António Ferreira de Sousa – 1928-1953

Pe. Bernardino Moreira Lopes – 1953-1995

Pe. Pedro Sérgio Gomes da Silva – desde 1995

 

Texto adaptado de:
SILVA, Ivo R. (coord.) et al. Villa Recaredi: Estudo Histórico e Etnográfico da Freguesia e Paróquia de Recarei. Recarei: J.F. Recarei, 2008.

SILVA, Ivo e NOGUEIRA, Abel. Recarei e o Sacerdócio. Recarei: Paróquia de Recarei, 2010.